Estudo do Imazon analisou 526 decisões, envolvendo 193 réus em 78 processos, sendo a maioria em tramitação em varas federais no Pará

Apesar da grilagem ser um dos principais vetores de desmatamento na Amazônia, apenas 7% das decisões judiciais analisadas em ações penais sobre o tema resultaram em condenações. A conclusão é de um novo estudo do Imazon, que examinou sentenças e outros julgamentos do judiciário relacionados à prática na região.
A pesquisa analisou as ações criminais com decisões até maio de 2022 selecionadas a partir de levantamentos realizados pela sociedade civil, além de dados solicitados ao Ministério Público Federal (MPF) e ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1).
Ao todo, foram 78 processos filtrados, sendo a maioria com tramitação em varas federais no Pará (60%), no Amazonas (15%) e no Tocantins (8%). E quase metade (42%) não informava o tamanho da área-alvo da possível grilagem, mas 18% envolviam territórios acima de 10 mil hectares. Ou seja: o equivalente a 10 mil campos de futebol em cada caso ou mais de 60 vezes o Parque Ibirapuera. Além disso, 8% dos processos estavam relacionados com áreas superiores a 50 mil hectares, o que equivale ao território de Porto Alegre, a 19ª maior capital do país.
Estado das ações (acima) e tamanho das áreas-alvo (abaixo):
As pesquisadoras avaliaram separadamente as decisões para cada crime atribuído aos 193 réus. Isso porque cada processo possuía mais de um réu, que foi julgado por vários crimes relacionados à grilagem, sendo os mais comuns invasão de terra pública, falsidade ideológica, estelionato e associação criminosa. Das 526 decisões avaliadas por tipo penal, somente 39 resultaram em condenações (7%), enquanto os desfechos mais frequentes encontrados foram a absolvição, em 185 (35%), e a prescrição, em 172 (33%). Essas condenações referem-se a apenas 24 dos 193 réus (12%).
Além da baixa taxa de condenações, outro fator que compromete a efetividade das respostas judiciais contra os réus é a morosidade no julgamento. O tempo médio entre o início da tramitação e a decisão final foi de seis anos, mas houve cenários mais extremos: em 35% dos casos analisados, as sentenças levaram de seis a nove anos, e em outros 17% demoraram de 13 a 18 anos para serem finalizadas. Essa lentidão contribui para o aumento das prescrições, que se tornaram um dos desfechos mais comuns. Nesses casos, as condutas dos réus não são analisadas pelos juízes.
Tempo de tramitação das ações:
“A grilagem de terras públicas é uma das engrenagens centrais da destruição da Amazônia. Ela envolve desde falsificação de documentos até a ocupação ilegal de áreas que pertencem ao Estado, alimentando um ciclo de destruição ambiental, especulação fundiária e violência no campo. Ao transformar patrimônio público em ativo ilegal, ela compromete a possibilidade de implementar políticas agrárias sustentáveis e aumenta os conflitos nas regiões mais vulneráveis da floresta”, explica Lorena Esteves, pesquisadora do Imazon e uma das autoras da pesquisa.
Dos 78 processos avaliados ligados à grilagem, 30% envolviam Projetos de Assentamento e 26% Glebas Públicas, que abrangem porções de terras públicas da União onde havia ocupações privadas irregulares. Já em relação às condenações, a maioria (64%) ocorreu em casos envolvendo unidades de conservação.
Categoria fundiária da área-alvo da ação:
O estudo ainda avaliou que as condenações ocorreram quando havia provas materiais específicas comprovando o crime e invalidando uma possível argumentação de boa-fé por parte dos ocupantes ilegais. Entre as provas, estavam as notificações prévias de órgãos fundiários informando aos ocupantes que o local era público e determinando sua desocupação. Outro exemplo são documentos com informações falsas declaradas ao órgão fundiário, o que configura o crime de falsidade ideológica. Nessas situações, os réus não puderam alegar desconhecimento de que a área era pública ou boa-fé na sua ocupação, o que fortaleceu a atuação do Ministério Público.
Medidas para fortalecer a responsabilização penal e prevenir ocupações ilegais
Para aumentar a efetividade do sistema de justiça nesse enfrentamento, o estudo propõe mudanças em diferentes frentes. No campo legislativo, uma das principais sugestões é o aumento das penas atualmente previstas, que muitas vezes são baixas e favorecem a prescrição ou a substituição por medidas alternativas, como prestação de serviço à comunidade.
Já no âmbito do Ministério Público, é recomendado que as petições indiquem com detalhe a participação de cada acusado nos crimes alegados e que seja solicitada a reparação de danos causados às terras públicas. Outra recomendação é que o Judiciário consolide o entendimento de que a ocupação ilegal desses territórios públicos é um crime de natureza permanente. Ou seja, enquanto a área estiver ocupada ilegalmente, o crime está ocorrendo. Essa interpretação pode evitar a prescrição antes do julgamento, pois a contagem do prazo prescricional só poderá ocorrer a partir da data em que a ocupação encerrar.
O levantamento reforça também a importância do governo notificar os ocupantes ilegais para que saiam das terras públicas, uma prova que se revelou importante nos processos. Também é fundamental promover a destinação de terras públicas para usos coletivos e sustentáveis, como criação de terras indígenas, quilombolas e unidades de conservação.
“A prevenção sempre é a melhor via. E para prevenir a grilagem de terras, é essencial avançar rapidamente na destinação de florestas públicas de forma compatível com o uso sustentável, retirando esses territórios dos alvos dos grileiros”, afirma Brenda Brito, pesquisadora do Imazon e uma das autoras do estudo.
O que é grilagem?
A grilagem é uma forma de obtenção de terra pública por meios ilícitos, que resulta em conflitos fundiários, violência no campo, desmatamento descontrolado e degradação ambiental. A grilagem provoca o desmonte do patrimônio público, que prejudica diretamente a capacidade do Estado de implementar políticas agrárias inclusivas e sustentáveis. O combate à grilagem demanda atuação dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, sendo que este último possui atribuições-chaves para fiscalização e responsabilização.
Leia o estudo completo aqui