Existe punição para grilagem na Amazônia?

31/07/25
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TítuloExiste punição para grilagem na Amazônia?
AutoresLorena Esteves
Brenda Brito
EditoraImazon
CidadeBelém
Ano de publicação2025
ISBN978-65-89617-30-3
DownloadExiste punição para grilagem na Amazônia?

Resumo executivo

A grilagem é uma forma de obtenção de terra por meios ilícitos, que resulta em conflitos fundiários, violência no campo, desmatamento descontrolado e degradação ambiental. Além disso, a grilagem provoca o desmonte do patrimônio público, que prejudica diretamente a capacidade do Estado de implementar políticas agrárias inclusivas e sustentáveis.

O combate à grilagem demanda atuação dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, sendo que este último possui atribuições-chaves para fiscalização e responsabilização. Neste estudo, investigamos se há, de fato, punição para a grilagem de terras na Amazônia Legal, por meio de uma análise detalhada de decisões em ações criminais identificadas. Nosso objetivo é contribuir para o entendimento da responsabilização penal contra grileiros na região e oferecer recomendações que ampliem a efetividade de instituições encarregadas de coibir essa prática ilegal.

Para selecionar os processos, combinamos dados de ações criminais tramitando em varas federais na Amazônia Legal. Obtivemos essas informações em levantamentos realizados previamente por organizações da sociedade civil, além de dados solicitados ao Ministério Público Federal (MPF) nos nove estados da Amazônia Legal e ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1). Utilizamos apenas casos com sentenças ou decisões interlocutórias até maio de 2022.

Do total de 78 processos selecionados, avaliamos 526 decisões judiciais sobre tipos penais usados para combate à grilagem envolvendo 193 réus. Ou seja, cada processo possuía mais de um réu, que foi julgado por vários crimes relacionados à grilagem. Por exemplo, um processo com dois réus acusados de três crimes cada um resultou em seis decisões. Tais decisões são as unidades de análise desta pesquisa, pois há casos em que um réu foi condenado por um crime, mas absolvido em outros. Assim, avaliar cada decisão isoladamente auxilia no entendimento mais específico do impacto dos tipos penais usados nas ações.

Além de verificar os resultados de todas as 526 decisões, fizemos uma análise mais detalhada sobre os argumentos de absolvição e condenação nos quatro crimes mais frequentes, com exceção de crime ambiental que não era o foco deste estudo: invasão de terra pública, falsidade ideológica, estelionato e associação criminosa.

RESULTADOS PRINCIPAIS

• Crimes mais frequentes. O crime de invasão de terra pública foi o mais comum (134 ou 25% das decisões), seguido por falsidade ideológica (81 ou 15%), estelionato (61 ou 12%), desmatar floresta pública (27 ou 5%) e associação criminosa (24 ou 4,5%). Também observamos outros 14 tipos de crimes ambientais e 22 de crimes previstos no Código Penal e outras legislações, que incidiram em menos de 5% das decisões cada.

• Características dos processos. A maioria (59%) dos processos avaliados iniciou entre 2010 e 2015 e tratava de casos que ocorreram em terras públicas federais, com mais frequência em Projetos de Assentamento (30%), glebas públicas (26%) e Unidades de Conservação (21%). A maioria tramitava em varas federais no Pará (60%), seguido do Amazonas (15%) e Tocantins (8%). Quase metade dos processos (42%) não informava o tamanho da área-alvo da possível grilagem, mas 18% envolviam áreas acima de 10.000 hectares.

• Tempo até as sentenças. O tempo médio para o julgamento das decisões foi de seis anos, e quase metade (48%) demorou mais de cinco anos. Em outros 35%, as decisões demoraram entre seis e nove anos (68 sentenças). Em 17% a decisão foi proferida entre 13 e 18 anos.

• Resultados dos julgamentos. Apenas 7% das decisões (39) resultaram em condenação e referem-se a 24 réus. Quase metade destes casos condenados (49%) corresponde a crimes ambientais e 64% ocorreram em Unidades de Conservação. Houve apenas duas decisões condenando ao crime de invasão de terra pública, que era o mais frequente dentre os analisados neste estudo, com 134 casos.

A absolvição foi o desfecho mais recorrente (185 ou 35% das decisões), seguido pela prescrição (178 ou 33%) e extinção do processo (58 ou 10%). Em 6% das decisões (30), os réus conseguiram benefícios da lei para não serem considerados condenados, após cumprir algumas condicionantes.

Estes foram casos de aplicação da suspensão condicional do processo ou do acordo de não persecução penal (ANPP). Dentre as condicionantes mais frequentes estavam a proibição de se ausentar da comarca (22 casos), a necessidade de comparecer em juízo (21 casos) e o pagamento do valor médio de R$ 4.765,46 para instituições de caridade ou fundos públicos (18 casos).

Outros desfechos menos frequentes incluem casos em que o réu não foi encontrado (3%), rejeição da denúncia (2%), envio do processo para julgamento da Justiça Estadual (1%) e 1% que aguardava nova decisão após anulação da primeira.

O MPF pediu a reparação de danos causados em relação a 16% dos réus, mas os juízes negaram os pedidos em quase todos os casos. Nas poucas decisões justificadas constavam a ausência de elementos suficientes para determinar o dano causado pelo réu e o fato de o pedido não constar na petição inicial.

ANÁLISE DE DECISÕES EM CRIMES MAIS FREQUENTES

A análise de argumentos usados para embasar as decisões em casos de invasão de terra pública, falsidade ideológica, estelionato e associação criminosa revelou o seguinte:

• Fatores para absolvição. Os principais motivos para absolvição foram a ausência de provas suficientes, a consideração de boa-fé dos réus e a aplicação do princípio do in dubio pro reo, que beneficiou os acusados quando havia dúvidas sobre a materialidade do crime ou sua autoria. Um exemplo de ausência de prova foi a falta de perícia para comprovar acusação de falsidade de documentos. Já nos casos de boa-fé, destacamos decisões em que os juízes avaliaram que o réu desconhecia estar em uma terra pública, pois teria comprado o imóvel de terceiros. Em vários casos isso foi comprovado com um contrato de compra e venda anterior à data de ocupação da área.

Além disso, nos casos de estelionato em que os réus compraram terras públicas, os juízes entenderam que os acusados não obtiveram vantagem econômica sobre as áreas, o que seria um elemento necessário para caracterizar o crime. Essas decisões justificaram que os eventuais lucros da exploração do imóvel não ficariam com o réu que estava comprando o imóvel, mas sim para o Estado, que é o verdadeiro dono da área. Já para os réus que venderam a área, não havia comprovação de que eles receberam pagamento, o que também resultou em absolvição. Essas decisões sobre estelionato são exemplos de como juízes interpretaram a comercialização de terras públicas a partir dos conceitos de Direito Civil. Ou seja, focam na invalidade do negócio jurídico, já que o réu não tem a propriedade da área, e que a suposta vantagem patrimonial com as benfeitorias feitas na área ficaria para o Estado. Por isso, não enquadram esses atos no crime de estelionato.

• Fatores para condenações. As condenações ocorreram quando havia provas materiais específicas comprovando o crime e invalidando uma possível argumentação de boa-fé. Por exemplo, no crime de invasão de terra pública, o MPF apresentou como prova uma notificação do órgão fundiário emitida previamente à ação, informando que se tratava de terra pública e orientando o réu a desocupá-la. Ou seja, o acusado não poderia argumentar desconhecimento sobre a natureza do imóvel. Nos casos de falsidade ideológica, as provas usadas para condenação foram documentos com informações falsas declaradas ao órgão fundiário, incluindo declarações assinadas por “laranjas”, que não seriam os reais beneficiários das áreas ocupadas. Contudo, mesmo nas condenações houve substituição de penas privativas de liberdade por sanções alternativas, como prestação de serviço à comunidade e pagamento de multas, pois eram casos com penas baixas e que atendiam outros requisitos legais. Esse aspecto limita o impacto da pena como mecanismo de inibição dessas práticas criminosas.

RECOMENDAÇÕES

1. Poder Legislativo:?

• Aumentar a pena do crime de invasão de terra pública (Art. 20 da Lei n.º 4.947/1966) para reduzir prescrições e dificultar a concessão de benefícios legais.

• Estabelecer penas altas em projetos de lei ligados ao combate à grilagem, com penas mínimas sempre maiores que um ano e penas máximas acima de cinco anos.

• Aprovar aumento do prazo de prescrição de crimes.

• Criar um tipo penal específico para punir a comercialização de terras públicas griladas.

2. Ministério Público:

• Incluir pedidos de reparação de danos nas denúncias, ampliando a responsabilidade financeira dos grileiros.

• Detalhar a conduta criminosa de cada réu na denúncia.

3. Governo Federal:

• Ampliar investigações sobre grilagem, fortalecendo a colaboração entre MPF, Polícia Federal e Judiciário.

• Destinar terras públicas como prevenção à grilagem.

4. Órgãos fundiários:

• Notificar invasores de terra pública, afastando a possibilidade do argumento de boa-fé na ocupação.

5. Poder Judiciário:

• Consolidar a jurisprudência de que invasão de terra pública é crime permanente, impedindo prescrições precoces.

• Fundamentar as sentenças de absolvição, pois várias das analisadas não especificaram quais as provas ou as razões que levaram à decisão final.

• Realizar treinamentos sobre direito agrário e questões fundiárias na Amazônia para magistrados.

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