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Imazon 35 anos: O nascimento da primeira ONG de pesquisa da Amazônia

10/07/25
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Instituto foi fundado em 10 de julho de 1990 com a missão que mantém até hoje: promover a conservação e o desenvolvimento sustentável na Amazônia

Foi quando o Brasil vivia os últimos anos da Ditadura Militar e estava submerso em uma profunda crise econômica que levou à hiperinflação e ao aumento da desigualdade social, no período que ficou conhecido como a “década perdida” (1980-1990), que as imagens de destruição da floresta amazônica começaram a ganhar destaque nas manchetes da imprensa nacional e internacional. E que palavras como desmatamento, queimadas, exploração de madeira e garimpo começaram a fazer parte do léxico cotidiano dos brasileiros.

Nessa época, o ecólogo estadunidense Christopher Uhl (1949-2025), professor da Universidade Estadual da Pensilvânia, atuava como pesquisador visitante da Embrapa, onde realizava pesquisas sobre as áreas degradadas no leste do Pará. Ele começou a estudar a Amazônia brasileira depois de concluir o doutorado em Ecologia Vegetal pela Universidade Estadual de Michigan, em 1980. Após investigar, em sua tese, os impactos da agricultura na região do Rio Negro, na Venezuela, ele tomou conhecimento de que a floresta amazônica estava sob forte ameaça de desmatamento no Brasil e decidiu direcionar esforços para pesquisar a região. “Percebi que, se eu realmente quisesse entender como as atividades humanas estavam impactando as florestas, precisaria mudar meu foco para a Amazônia brasileira, onde os distúrbios estavam se tornando tão extensos e prolongados que ameaçavam a integridade do bioma”, contou Uhl em entrevista para o Imazon, em 2020.

A estadia do cientista em solo paraense veio por meio de uma bolsa do Programa Homem e Biosfera da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), que tinha como foco estudar os impactos ecológicos da criação de gado no estado. “Foi também nessa época que percebi que a Amazônia não estava sendo impactada apenas pela agricultura e pela pecuária, mas também pela extração de madeira, criando grandes aberturas na floresta e a proliferação de incêndios”, contou o pesquisador na mesma entrevista.

Christopher Uhl na Ilha do Combu, em Belém, em 1996 (Foto: Tatiana Veríssimo)
Christopher Uhl na Ilha do Combu, em Belém, em 1996 (Foto: Tatiana Veríssimo)

Ao receber uma segunda bolsa de estudos, desta vez para investigar a exploração madeireira no Pará, Uhl recrutou um grupo de jovens “preocupados com o que acontecia na Amazônia” para ajudá-lo. Entre eles estavam dois recém graduados pela Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), em Belém: Beto Veríssimo, em Engenharia Agronômica, em 1988, e Paulo Barreto, em Engenharia Florestal, em 1989.

“Embora fossem todos novatos quando se tratava de pesquisa florestal, eram cheios de inteligência, bom senso e determinação. Juntos, passamos um ano no campo e produzimos uma série de quatro estudos de caso sobre os diferentes impactos da exploração madeireira em regiões distintas do Pará. No geral, os resultados revelaram que a atividade estava sendo conduzida de forma aleatória e com desperdício, resultando em tempos de regeneração prolongados e aumento do risco de incêndio”, relembrou Uhl, em 2020.

Chris Uhl, Beto Veríssimo, David McGrath e Paulo Barreto, quatro dos cinco cofundadores do Imazon (Foto: Arquivo Imazon)
Chris Uhl, Beto Veríssimo, David McGrath e Paulo Barreto, quatro dos cinco cofundadores do Imazon (Foto: Arquivo Imazon)

Conforme Barreto, o grupo foi formado porque o pouco entendimento e a rara documentação das mudanças na Amazônia eram preocupações de Uhl. “Ele compreendia que a escassez de pesquisas sobre essas transformações enfraquecia o debate sobre os problemas e alternativas para a região. Além disso, identificava uma enorme carência de profissionais aptos a documentar esses fenômenos”, escreveu em uma carta publicada em 2000, em comemoração aos primeiros 10 anos do Imazon.

Apesar desses estudos pioneiros terem sido publicados em revistas científicas internacionais, Uhl queria ir além. “Percebi que o ecossistema mais extraordinário e precioso do planeta estava realmente ameaçado e que não seria suficiente simplesmente escrever artigos de pesquisa documentando o desenrolar da Amazônia. Era necessário algo maior, mais ousado”, contou o cientista, na mesma entrevista.

Barreto lembra que o trabalho de divulgação das publicações era uma prioridade para Uhl. “Você pode publicar estudos de altíssimo nível nas melhores revistas científicas, mas pouca gente lê. Chris queria fazer um esforço adicional para que as pessoas conhecessem os resultados das nossas pesquisas e que isso ajudasse a melhorar as decisões de como o ser humano interage com a natureza”, contou o engenheiro florestal.

Foco na ciência diferenciou o Imazon

A ousadia que Uhl estava pensando era justamente criar uma organização não-governamental (ONG) científica dedicada a promover a conservação e o desenvolvimento sustentável na Amazônia. Para isso, o estadunidense escreveu uma proposta e entregou para Veríssimo ler durante uma viagem de Belém a Afuá, no Arquipélago do Marajó, no segundo semestre de 1988. “Ele me deu um texto impresso com a ideia de criar um centro de pesquisa voltado a buscar soluções para o uso da terra na Amazônia que tivesse preocupação social, econômica e ambiental. Era uma proposta que já tinha sido submetida e aprovada pela MacArthur Foundation, dos Estados Unidos, então ele tinha um financiamento para isso”, descreve o engenheiro agrônomo.

Chris Uhl e Beto Veríssimo (Foto: Arquivo Imazon)
Chris Uhl e Beto Veríssimo (Foto: Arquivo Imazon)

Cativado pela ideia, Veríssimo passou a incluir discussões sobre a criação dessa ONG na rotina de pesquisa. “Começamos a fazer uma série de reuniões paralelas com pessoas de Belém e de fora sobre isso, de pesquisadores a tomadores de decisão. E todas essas conversas foram sendo juntadas em um documento, que baseou a cultura da organização. Foi um processo de gestação de quase dois anos. Não foi um impulso, foi uma coisa muito bem pensada”, lembra.

O Instituto do Homem e Meio Ambiente (Imazon) foi fundado oficialmente em 10 de julho de 1990, em Belém, no Pará. Escrita à mão em uma folha timbrada, hoje amarelada pela ação do tempo, a ata de fundação da organização foi assinada por cinco pessoas. Além de Uhl, Veríssimo e Barreto, o Imazon teve como co-fundadores o agrimensor e advogado Cândido Paraguassú e o geógrafo David McGrath. No documento, também há o relato da eleição por unanimidade de Veríssimo como o primeiro diretor executivo do instituto.

Agrimensor e advogado Cândido Paraguassú, um dos fundadores do Imazon (Foto: Arquivo Imazon)
Agrimensor e advogado Cândido Paraguassú, um dos fundadores do Imazon (Foto: Arquivo Imazon)

O engenheiro agrônomo conta que já existiam outras ONGs ambientais à época, mas com o ativismo como ponto central. “Por ser um instituto de pesquisa, o Imazon era bem diferente, era outro DNA. Portanto, era uma novidade”, comenta Veríssimo.

A primeira sede do Imazon foi uma pequena casa alugada em um condomínio de Ananindeua, na região metropolitana de Belém, onde cinco pesquisadores passaram a trabalhar em 1990. No ano seguinte, em 1991, o grupo já contava com 15 cientistas. “A ideia do Chris para os três primeiros anos, até 1993, era testar o Imazon para ver se daria certo. Se desse certo, os resultados seriam tornados públicos. E se desse errado, teria sido uma tentativa”, lembra Veríssimo.

A dedicação do cofundador foi tanta que ele chegou a alugar uma casa ao lado da sede do Imazon, que dividia com Barreto. “Era lá também que a gente fazia comida para os outros pesquisadores, como se fosse uma casa do estudante”, conta.

Pesquisadores do Imazon dividindo computador na década de 90 (Foto: Arquivo Imazon)
Pesquisadores do Imazon dividindo computador na década de 90 (Foto: Arquivo Imazon)

No escritório do instituto, o grupo também tinha o desafio de dividir entre 15 pesquisadores os únicos três computadores Macintosh disponíveis à época. “Tínhamos que fazer uma escala de horários. Então, se você chegasse no Imazon à meia noite, teria alguém trabalhando. A mesma coisa se fosse às 5h ou até domingo”, relata Veríssimo.

Nova geração de cientistas especialistas em Amazônia

Embora os primeiros estudos da organização tenham sido publicados ainda em 1990, foi em 1991 que os pesquisadores conquistaram espaço em uma revista científica internacional, a Forest Ecology and Management, com o artigo “Social, economic, and ecological consequences of selective logging in an Amazon frontier: the case of Tailândia” . Presença consolidada em 1992 e 1993, com publicações também nos periódicos Environmental Conservation e Human Ecology. “Em 1992, ainda foram registradas as primeiras citações ao Imazon na imprensa. E, em 1993, o instituto passou a ser mais conhecido”, afirma Veríssimo.

Paulo Amaral, Paulo Barreto e Chris Uhl (Foto: Arquivo Imazon)
Paulo Amaral, Paulo Barreto e Chris Uhl (Foto: Arquivo Imazon)

O nascimento do instituto também representou o surgimento de uma nova geração de cientistas especialistas em Amazônia. Isso porque, à época, os pesquisadores do Imazon não tinham muita literatura para se apoiar, pois estavam produzindo estudos de fronteira do conhecimento.

Chris Uhl e Carlos Souza Jr (Foto: Arquivo Imazon)
Chris Uhl e Carlos Souza Jr (Foto: Arquivo Imazon)

Além de Veríssimo e Barreto, estão entre os mentorados de Uhl no início da organização os pesquisadores Carlos Souza Jr., referência mundial no monitoramento da Amazônia, e Paulo Amaral, um dos principais estudiosos de manejo e uso sustentável de produtos florestais não-madeireiros, gestão ambiental municipal e restauração florestal.

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